O
comportamento das pessoas que participam no esporte direta ou indiretamente
passou a ser uma grande preocupação das autoridades, principalmente na segunda
metade do século XX. A grande importância dada à vitória, em função de interesses
de prestígio pessoal e financeiro fizeram com que em 1963, a UNESCO, a
Associação Internacional de Imprensa Esportiva e o Conselho Internacional de
Esporte e Educação Física realizassem um seminário para discutir questões como
o chauvinismo, a violência e outras infrações que comprometiam a integridade
das pessoas que participavam do esporte. Neste evento foi decidido criar
Troféus Internacionais de FairPlay, os quais deveriam ser entregues a pessoas
que tivessem demonstrado alto grau de Espírito Esportivo, durante a
participação em competições. Assim, com a aprovação da UNESCO, foi criado o
Comitê Internacional para o FairPlay (Internacional Council of Sport and
Physical Education, 1975).
Em
1968 foi publicada uma “Declaração sobre o Esporte” pelo Conselho Internacional
de Esporte e Educação Física (ICSPE), na qual Noel Baker, presidente do
International Council of Sport and Physical Education, ICSPE, afirmou que o FairPlay
é a essência, e que sem essa condição o jogo ou esporte não poderia ter esta
denominação. Em 1971 e em 1973 o ICSPE organizou seminários com o tema “O Papel
da Mídia na Promoção e Compreensão do Esporte”, nos quais se conclui que o esporte
pode ser uma atividade positiva se a ética implícita nesta atividade for
suficientemente compreendida. Como conseqüência, outras entidades e federações
esportivas criam, também, seus troféus de FairPlay, e o Comitê Internacional de
FairPlay descentraliza sua ação em cooperação com diversas entidades
internacionais (Internacional Council of Sport and Physical Education, 1975).
Em
1971 o Comitê Francês de FairPlay publica um documento no qual estão descritas
algumas ações no esporte, que envolviam comportamentos pautados no espírito do FairPlay.
Este documento tem grande repercussão, tendo sido reconhecido tanto pelo ICSPE
como pela UNESCO como uma produção de relevância para o Movimento do FairPlay.
Em seguida o Comitê Internacional de FairPlay, o Comitê Olímpico Internacional,
o ICSPE e outros organismos
internacionais criam uma comissão de especialistas de vários países para
preparar um documento sobre o FairPlay, o qual foi publicado em 1975. O
documento elaborado apresentava as seguintes orientações:
1.
O FairPlay é demonstrado pelo participante das atividades esportivas, pela
observância das regras do esporte;
2.
É importante reconhecer que, por trás das regras escritas, estão regras
implícitas, o espírito ou intenção correta ou leal, nas quais estão envolvidos
os competidores esportivos;
3.
Os comportamentos segundo o espírito do FairPlay serão reconhecidos pelas ações
de:
-
Não questionamento das decisões dos árbitros, a não ser que o regulamento do
esporte o permita;
-
Jogar para vencer deve ser o primeiro objetivo, porém recusar a vitória por
qualquer meio;
-
Honestidade, correção e uma atitude digna quando os outros participantes não
jogam de forma justa;
-
Respeito aos colegas da sua própria equipe;
Respeito
aos adversários e o reconhecimento da importância destes para que a competição
se realize;
-
Respeito aos árbitros através da atitude positiva, tentando colaborar com este
a todo momento;
-
O FairPlay envolve modéstia na vitória e elegância na derrota, assim como
generosidade na criação de sinceras e duradouras relações humanas;
-
O FairPlay não é uma responsabilidade apenas dos competidores. Treinadores,
árbitros, espectadores e todas as pessoas envolvidas na competição têm um
importante papel no desenvolvimento de atitudes positivas, para, principalmente,
envolver os participantes da competição em um comportamento de tolerância
(Internacional Council of Sport and Physical Education, 1975, p. 2-5).
Em
1992 o Comitê Internacional para o FairPlay (CIFP) publica um documento
denominado “FairPlay para Todos”, contendo um manifesto onde são destacadas
preocupações com ações contrárias ao Espírito Esportivo que vêm ocorrendo com frequência
no esporte, principalmente pela pressão sofrida por atletas e técnicos na
obtenção da vitória a qualquer custo, isto é, através de meios ilícitos. Este
documento é de grande importância, como referência, para aqueles que desejam operacionalizar
ações para elevar o Espírito Esportivo nas competições que acontecem em
diversos contextos esportivos, pois propõem ações para: O FairPlay no Esporte
Juvenil; O FairPlay no Esporte de Competição; O FairPlay no Esporte para Todos,
para a Saúde e Tempo Livre; O FairPlay no Esporte para Portadores de
Deficiência (Comitê Internacional para o FairPlay, 1992).
É
pertinente destacar a atuação do Movimento Europeu de FairPlay (EFPM), fundado
em 1994 na Suíça, composto por 29 países. Esta entidade não-governamental
tem-se destacado por ter estabelecido diversos fóruns para discussão do
fenômeno do FairPlay - Espírito Esportivo, denominados Seminários Europeus
sobre o FairPlay. Foram realizados 3 seminários com as seguintes temáticas: “A
Responsabilidade dos Órgãos de Informação em Defesa do FairPlay”, em Istambul
(1975); “FairPlay, Desporto e Educação”, em Varsóvia (1996); "FairPlay e o
Desporto de Alta Competição", e em Oeiras (1997); "A Conduta dos
Espectadores e o FairPlay", em Atenas (1998), "Ética e Doping",
em Paris (1999); "Violência no Esporte e Sociedade", Paris (2000) e
"O Comportamento de FairPlay no Esporte de Alto Rendimento e sua
Influência sobre os Jovens", em Bratislava (2001).
No
Canadá, segundo Régnier (1990), em razão dos constantes conflitos ocorridos no
hóquei sobre o gelo profissional, esporte nacional que a exemplo do futebol
arrasta multidões aos estádios, “la Régie de la securité dans les sports du
Quebéc” - RSSQ - um organismo governamental criado em 1979, hoje incorporado ao
Movimento Canadense de FairPlay, com o objetivo de zelar pela segurança e
integridade dos praticantes de esportes - concluiu que seria uma ilusão pensar
em modificar o modelo profissional de esporte praticado no país em razão dos
objetivos mercantis que o esporte profissional estabeleceu como prioridade.
Era, portanto, necessário criar um modelo de prática esportiva alternativa que
marcasse claramente a linha divisória com o esporte profissional. Desejava-se
um modelo de esporte mais humano, onde sua prática repousasse sobre valores
sociais do denominado “Espírito Esportivo”. Após 1984 a RSSQ organiza um
movimento em conjunto com diversas entidades esportivas, com o objetivo de
ativar a promoção do “Espírito Esportivo”, nas práticas desta atividade na
escola e no esporte amador.
A
primeira etapa deste movimento foi definir de forma clara o conceito de
“Espírito Esportivo”. Assim, a RSSQ adotou uma série de princípios para o
“Espírito Esportivo” que servia de base para todas as ações de promoção do
“Espírito Esportivo”, no Québec, a partir de 1984. Assim a RSSQ publica neste
ano a denominada "Carta sobre o Espírito Desportivo", a qual apresentava
recomendações às pessoas que estavam envolvidas direta ou indiretamente com as
atividades esportivas.
Desta
forma, o “Espírito Esportivo” compreendia cinco elementos básicos a serem
observados na prática dos esportes:
1.
Respeitar os regulamentos;
2.
Respeitar os árbitros e aceitar as suas decisões;
3.
Respeitar os adversários;
4.
Demonstrar preocupação com a igualdade de oportunidades entre os competidores;
5.
Manter permanentemente a sua própria dignidade.
(Gonçalves;
1990; Régnier, 1990).
Estes
5 princípios têm norteado a grande maioria dos programas de sensibilização e
pesquisa com atletas, árbitros, dirigentes, patrocinadores e demais pessoas
envolvidas no esporte, a respeito do comportamento segundo o FairPlay –
Espírito Esportivo, em países como o Canadá, Portugal e Brasil.
As
ações, assim como as bases teóricas em que se apóiam os movimentos que defendem
o FairPlay / Espírito Esportivo, têm sido objeto de fortes críticas de
estudiosos do fenômeno esportivo contemporâneo por ignorarem que as alterações
dos valores morais na sociedade contemporânea se refletem no contexto
esportivo, não havendo duas morais, uma da sociedade e outra esportiva, mas sim
uma moral social única. Bento (1997b) destaca a “situação paradoxal” do esporte
na atualidade, pois com a organização profissional desta atividade o esporte
passou a ser gerido por regras relacionadas ao mundo do trabalho, por outro
lado, os participantes do esporte são chamados à atenção por se comportarem
segundo as regras do trabalho.
Assim,
os protagonistas do esporte são cobrados por medidas morais diferentes, o que
resulta em orientações conflitantes.
Desta
forma, baseados no “Ideal do Olimpismo” como forma de educação moral,
caracterizado por Arnold (1994) como uma abordagem ingênua e ultrapassada, os
defensores do FairPlay/Espírito Esportivo desejam transformar o desporto num “altar de celebração do princípio do FairPlay”,
o que não é possível, pois como destaca Bento (1997a) o desporto é parte integrante
dos valores da sociedade onde é praticado, uma vez que para defender princípios
do FairPlay no esporte é necessário que os seus defensores o façam em outros
domínios. Para Bento (1997a) o princípio do “fairs” (honestidade) que caracterizava
as ações dos comerciantes nas feiras inglesas “emigrou para muito longe”.
Assim:
“A
sociedade atual confunde-se até com um sistema amoral, dado que o primeiro
plano é ocupado pela tentativa de impor brutalmente a vantagem pessoal em
detrimento do interesse geral. Por isso, é espantoso que neste enquadramento se
faça um apelo a um desporto com certificado de pureza passado pelo FairPlay”
(p. 8).
No
Brasil, apesar da Carta sobre O FairPlay - Espírito Esportivo ter sido
publicada em 1978, não se conhece, até o presente, a organização de movimentos
com o objetivo de promover ações que elevem o nível do Espírito Esportivo entre
os participantes do esporte. Em nosso país, como em outros países do mundo, têm
ocorrido com freqüência fatos contrários aos princípios do Espírito Esportivo,
como: a violência entre jogadores, torcedores, árbitros e dirigentes nos
eventos esportivos; problemas com doping; corrupção; agressões verbais e
físicas; e notícias sensacionalistas na mídia que estimulam agressões e violência
no contexto esportivo.
As
questões sobre FairPlay - Espírito Esportivo, no Brasil, têm-se limitado a uma
discussão incipiente dentro das universidades, particularmente dentro dos
cursos de Educação Física e às ações de seminários e premiação do FairPlay/Espírito
Esportivo dentro do Panathlon, um clube a exemplo do Rotary e Lions, que se
propõe a tratar de questões relacionadas com o esporte.
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