As
discussões parecem indicar de que vigora um duplo consenso: a) os juízes
deveriam ser imparciais e b) que existe uma parcela de juízes que não são
imparciais.
Se
eliminarmos a parcialidade como produto da impossibilidade do julgar em
determinadas condições e da falta de competência para arbitrar os jogos, que
poderia ser superada gradualmente, mediante seleção e capacitação adequada,
ainda assim, a imparcialidade poderia ter outras duas fontes: a) a compra do
juiz ou b) a influência sobre o juiz de fatores variados e de controle difícil,
senão impossível.
A
compra do juiz forma parte de um delito que deve ser penalizado a partir da
observação e de processos específicos. O Código Penal e a investigação policial
deveriam ser postos em jogo.
Mais
interessante, para o que argumentaremos adiante, é a parcialidade provocada
pela influência sobre o juiz da imagem do clube, do poder da torcida, dos
dirigentes e dos próprios torcedores. O “clima” emotivo afetaria o juiz (pré-)
condicionando seu modo de ver e de julgar? E isso, seria justo ou injusto? E
isso seria o cerne ou essência da imparcialidade estrito senso?
Creio
que chegamos a um ponto nevrálgico: o juiz é parcial quando influenciado pelo
que, para sintetizar, chamaremos de “clima”.
A
categoria influência tomou, ao longo do tempo, em uma história que ainda merece
ser contada, a denotação de um mal na epidemiologia das teorias políticas, da
cultura de massas e da publicidade. Na epidemiologia do crime ou dos delitos,
as influências negativas têm papel de destaque. Reconhecer ser influenciado
(por um político, pela televisão ou
por um escrito) significa enfrentar
o risco de ser visto como carente de personalidade, de
autonomia, de capacidade de refletir por si mesmo.
Platão
criticou a influência dos demagogos sobre o povo nas assembleias. Houve
retóricos que enfatizaram o valor da retórica para se defender da influência
dos retóricos, imaginando que o saber sobre seus truques discursivos permitiria
deles fugir, resistindo a seus encantamentos.8 Kant, na sua famosa resposta
sobre o iluminismo, “Sapere aude”, ordenou que cada um pensasse por si mesmo.
Ele estaria dizendo que sem ser influenciado por outros? Entendimentos
posteriores, que enfatizaram a autonomia de cada um no uso da razão, foram
profundamente influenciados pelo entendimento de Kant. Ou seja, podemos
interpretar que Kant nos influenciou para que resistamos a ser influenciados?
Quais são as razões para aceitarmos o estatuto superior da influência da
afirmação que manda não nos deixar
influenciar?
As
ciências sociais partilham do axioma de que somos resultado das influências,
materiais e espirituais ou simbólicas, que recebemos desde o nascimento. O ponto
de vista sociológico, ou sociologismo, implica explicar as condutas por seus
condicionamentos sociais, isto é, como dizia Durkheim “o social explica o
social”. O indivíduo, e o individualismo, para Durkheim, não seria um dado
primário, mas resultado da dinâmica social ou das representações coletivas, ou
seja, mera construção social. Se substituirmos “sociedade’ por “cultura” a
equação não se modifica: o ato de “x” é condicionado pela “sociedade” ou pela
“cultura”. Entretanto, se pensar ou agir por si mesmo implicaria anular a
influência, estaríamos diante de uma contradição: no plano “do ser”, somos em
função das influências, e, no plano “do dever ser”, teríamos que ser ocluindo
suas forças. Levado às suas últimas consequências, o ditado contraditório faria
de cada um de nós um animal não social, criaria uma contradição insolúvel
entre sermos produtos da vida social e,
ao mesmo tempo, recusarmos suas influências em nome do “pensar por si mesmo”.
Como
frequentemente ocorre, as ideias contraditórias são matizadas; são, de algumas
formas, conciliadas. Colocar, no cenário, influências positivas e negativas
talvez seja a forma mais simples de solucionar o problema. Falsa conciliação,
no entanto, dado que podemos entender que, seja como for que classifiquemos as
influências em negativas e positivas, não podemos estar seguros de que essa
poderosa distinção não seja resultado de influências. Ou seja, estamos
influenciados na distinção e apreciação das influências.
Podemos,
então, nos perguntar: a ideia de que os árbitros de futebol devem ser
imparciais, a quais influências responderia?
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