Do Futebol Parcial - Parte 1



Parece que a ideia que tem maior influência sobre a imparcialidade do árbitro é supor que ela deve refletir a imparcialidade do futebol. Geralmente, se entende que o futebol é igualitário ou imparcial, porque as mesmas regras vigoram para todos os times. De fato, o boxe também é imparcial no mesmo sentido, contudo, no boxe, um lutador de 100 quilos não se confronta com um lutador de 50 quilos. Essa luta não seria considerada nem igualitária, nem equânime, nem justa e nem imparcial. 

Ainda que, pela sorte ou pela “vontade dos deuses”, vez por outra, um lutador de 50 quilos pudesse nocautear a um de 100 quilos. Todos concordariam em afirmar que foi um acaso e, apesar do resultado, não consideraríamos essa luta igualitária ou imparcial, ainda quando as regras do esporte sejam universais. Por isso, uma de suas regras é igualar, pelo peso, os lutadores. Da mesma forma, não consideraríamos igualitária uma corrida entre um carro de 1000 e um de 4500 cilindradas, a não ser que o carro pequeno tivesse uma vantagem de tempo que, de alguma forma, compensasse a diferença de potência dos motores (handicap). 

A separação dos times por divisões ou séries, embora seja uma tentativa de igualação, tem por objetivo que uns subam e outros desçam. As histórias sobre a descida de um time conceituado são numerosas e dramáticas. Veja-se, por exemplo, o caso atual do famoso River Plate da Argentina.

Curiosamente, no futebol, se considera que existe imparcialidade ou igualdade quando um time com milhões de torcedores, alta receita de publicidade, ingressos e de direitos de televisão e com significativa contratação de craques do futebol, se confronta com um time de pequena torcida, receita irrisória de publicidade e sem craques reconhecidos. De fato, por vezes o time pequeno ganha do grande, como poderia ocorrer no boxe se as lutas entre não iguais fossem permitidas.

 Apesar da desigualdade óbvia e da parcialidade a favor do time grande não se dá handicap ao pequeno. O jogo poderia ser justo e imparcial se, por exemplo, o time pequeno tivesse dois gols de vantagens. Isso ocorre, por exemplo, nas peladas, quando a diferença entre os times é grande ou quando um time tem sete jogadores e o outro cinco, e há professores de educação física que, no jogo misto de futebol, orientado pelo conceito de coeducação, contam dobrado o gol das meninas. Assim, um jogo entre Vasco e Volta Redonda ou entre Flamengo e Nova Iguaçu, poderia começar com um gol de vantagem dos segundos. Não sabemos se seria um jogo justo ou imparcial, mas se aproximaria mais desse ideal do que começando com o placar zerado. Digamos que seria mais justo ou mais imparcial. A vantagem para o mais fraco também poderia contribuir para fazer o jogo mais  empolgante.

Antes de apitar o início do jogo, deve existir, no árbitro, a imagem da igualdade ou desigualdade do confronto. O volume da torcida tem um peso palpável e considerável na definição do tamanho de cada time e na criação do clima do encontro. De fato, o juiz pode apitar jogos igualitários de dois times grandes ou de dois pequenos. Mas, o caso mais intrigante é do estado anímico do juiz quando apita um jogo de grande desigualdade. Conseguirá manter a imparcialidade ou inclinará a balança para algum dos lados? Essa questão é merecedora de uma pesquisa consistente.

Para apenas explorar a questão, podemos começar por uma analogia. No caso do tênis, quando os assistentes11 possuem preferências e mesmo admiração por algum dos tenistas que estão na quadra, por exemplo, por Roger Federer,  torcerão ardorosamente por ele se seu adversário fosse alguém do tamanho de Nadal ou Murray. Contudo, grande parte das partidas de um evento é realizada entre um top 10, geralmente cabeças de chave e que não jogam a primeira rodada (o dito “by”), e um adversário bem distante no ranking ou saído da qualificação prévia. 

Os espectadores querem ver um bom jogo e se o adversário mais fraco ou mais novo apresenta espírito de luta e boas jogadas, o clima se inclina a seu favor e festejam suas bolas de forma empolgante. Os assistentes de tênis, além disso, parecem adorar o desafio e acompanham no telão a trajetória da bola, fazendo um coro coletivo e festivo. Essas atitudes diferenciam o torcedor de tênis do torcedor de futebol. Isso não implica que não aplaudam vigorosamente uma excelente  jogada feita pelo tenista já consagrado e admirado. O público quer jogo e, por isso, gosta de 3 ou 5 sets, e paira um ar de frustração quando se resolve em 2 ou 3 sets. O melhor jogo de tênis é o que se revolve no final, ou seja, aquele que implica alta igualdade no desempenho. Maria Esther Bueno declarou, em uma final de Wimbledon, entre Federer e Nadal, “o que esses meninos fizeram em quadra! (...) Eu daria o prêmio para os dois!”. O jogo foi ganho por Nadal e até hoje é considerado  memorável.

O que importa destacar é que, no tênis, nem o juiz de cadeira nem os juízes de línea podem ser influenciados. Podem errar na marcação e, em eventos importantes, o desafio, no recurso à tecnologia eletrônica, é a última palavra que corrige o erro.

A situação do futebol, tanto dos torcedores quanto do árbitro, parece ser bem diferente. O torcedor, esse ser emocional, quer que seu time ganhe ainda jogando mal e ainda que com erros de arbitragens, geralmente não percebidos como tal pela oclusão da paixão. Ganhar significa pontos na tabela. Sua participação exerce pressão sobre técnicos, jogadores e árbitros. Decorre disso que a torcida seja o jogador número 12 em campo. Ela pesa, ela estabelece a diferença, ela é uma poderosa influência sobre o próprio time e, também, sobre o adversário. E o juiz será que fica fora dessa influência?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Links Recomendados