A redução dos índices de violência e agressões continua
a ser buscada no esporte. Além
do controle pela
aplicação das regras
por agentes externos e neutros,
campanhas de prevenção à violência e promoção esportiva têm sido promovidas. Dentre essas, destacamos o fair
play, também conhecido como “jogo limpo”.
O termo fair
play é utilizado de maneira restrita e limitada, com
o sentido de designar lances em que
uma equipe e/ou
jogador se preocupa com as condições físicas de seu adversário, abnegando do direito
de jogar e colocando a bola para fora de campo para
que os médicos
entrem. Na maioria
dos casos, na sequência,
gentilmente a equipe concorrente devolve
a posse da bola àquela
que permitiu o atendimento.
Porém, o fair
play, no sentido
promovido pela Fifa, vai muito além desse tipo
de circunstância, está envolvido por um ethos
cortês e moralista, escapando à esfera das regras. Conforme está
colocado em seu
o código, o fair play
“engloba todos os princípios desportivos, morais e éticos que defende a Fifa, e pelos quais continuará
lutando no futuro, independente das influências e pressões que possa enfrentar”4. O fair play é composto pelos seguintes
princípios, denominados de “regras ouro”:
1. Jogue limpo;
2. Jogue para ganhar,
mas aceite a derrota com dignidade;
3. Observe as regras do jogo;
4. Respeite os adversários, os companheiros, os árbitros os oficiais e os espectadores;
5. Promova os interesses do futebol;
6. Honre aqueles que defendem a boa
reputação do futebol;
7. Rejeite a corrupção, as drogas, o racismo, a violência, as apostas e outras ameaças para o nosso esporte;
8. Ajude outros a resistir
frente a pressões
corruptoras;
9. Denuncie aqueles que buscam
desacreditar o nosso esporte;
10.Utilize o futebol para melhorar o mundo (FIFA,
2007)5.
A bandeira símbolo da campanha
fair play deve
estar presente, assim
como o distintivo da Fifa, no uniforme dos
árbitros internacionais, posicionada na altura do ombro esquerdo. Além da aplicação das regras, espera-se que os árbitros
estejam munidos e que apliquem o “espírito” do fair play a partir de suas atitudes e decisões
no campo de jogo.
Apesar de não constar no livro de regras, a expressão
fair play é
alvo de grande divulgação por parte da Fifa e bastante
conhecida por aqueles que acompanham o futebol. Desse modo, pode-se extrair que a prática
do fair play deve ser algo que não esteja sub- metido a julgamento
ou arbitramento, mas que esteja na formação e na espontaneidade
de jogadores, árbitros,
torcedores, dirigentes e dos entusiastas desse esporte.
Por uma outra visão, Proni (2000) questiona
a inserção e os sentidos
da utilização da campanha
pelo fair play:
É emblemático o fato da Fifa só ter encabeçado uma campanha internacional em
defesa do fair play a partir
de 1989, respondendo às pressões da mídia e
dos investidores, e que nos anos
noventa a arbitragem tenha começado
a punir mais severamente os transgressores
(PRONI, 2000,
p. 62).
Para Proni (2000),
o que teria motivado a Fifa a investir em campanhas pela redução da violência nos estádios, dentro ou fora de campo, seria a preocupação com o arrefecimento de lucros e investimentos resultante da exploração do esporte-espetáculo. A violência relacionada ao futebol, em todos os seus âmbitos, prejudicaria a imagem do esporte como um entretenimento organizado e sadio e,
dessa forma, afastaria consumidores e torcedores, repelindo, consequentemente, investimentos e lucros. Para esse autor (2000),
O futebol-empresa reintroduziu o fair play como um elemento constitutivo do futebol, mas não
como uma qualidade inerente à educação cavalheiresca e ao comportamento
civilizado, e
sim como uma forma de melhorar a qualidade do espetáculo,
preservando os melhores
jogadores, e de aumentar
o faturamento, recuperando ou estimulando o interesse
do público (PRONI, 2000, p. 62).
Distante dos princípios aristocráticos e corteses
do século XIX, o futebol- espetáculo, cada vez mais comercializado, ofertou
a possibilidade, até algum tempo inimaginável, de desconstrução da
condição de rigidez e a imagem anti-heroísmo
colocada aos árbitros. As qualidades técnicas somadas à aparência singular
tornaram o árbitro italiano
Pierluigi Collina conhecido
não somente na Itália, mas em outros países. Atualmente aposentado, Collina
foi reconhecido em sua época
como o melhor em sua função,
apitando a final
da Copa de 2002. Porém,
não foi apenas sua destreza com o apito na mão que
o tornou conhecido. Vejamos na descrição curiosa, e até mesmo
cômica, de Franklin
Foer (2005):
A fama de Pierluigi
Collina desafia todas
as leis da celebridade no esporte. Sua
aparência mal- assombrada inclui uma cabeça de Kojak, a palidez
de um
tuberculoso e olhos arregalados
saltando das órbitas. Ele corre como
um avestruz. Há, porém, uma coisa muito estranha
em relação à sua
celebridade: ele não é atleta, mas um árbitro
(FOER, 2005,
p. 148).
Collina é apenas
um exemplo, entre
vários possíveis, das visíveis expressões de um universo imaginário do futebol que vai além do objetivo
de apenas marcar
o gol no adversário. A criação de heróis esportivos bem como a construção da ima-
gem de profissionais diferenciados, com “superpoderes”, não se atém somente aos jogadores. Os árbitros não estão isentos
dos processos que envolvem o espetáculo
e o esporte, sintetizado na imagem em que se transformou Collina:
Seu renome hoje é tanto
que ele aparece
em anúncios da Adidas ao
lado de David Be- ckham, Zinedine Zidane e outros virtuoses. Páginas
de moda
da revista GQ,
assim como incontáveis perfis
publicados em
outros
periódicos, mostram-no em sua bem
cuidada casa de campo,
brincando alegremente com seus cachorrinhos (idem, ibidem).
Mesmo que timidamente, começa a despontar um interesse por parte de empresas, principalmente dos países do continente europeu, em divulgar
e expor suas marcas nas camisas
de árbitros e até mesmo a inscrição
de seus slogans em
instrumentos como as bandeirinhas dos assistentes6. De certo modo, isso revela que a associação de imagens e produtos com a arbitragem se mostra positiva
na perspectiva dos patrocinadores, distante de um imaginário punitivo
e autoritário, que circunda
essa categoria.
Fonte da Matéria: http://www.redalyc.org/pdf/4013/401338534005.pdf
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