O Poder do Ver e o Dever de Arbitrar - A Imparcialidade



O tema da imparcialidade parece se desdobrar em dois subitens: o do poder e o do dever arbitrar com imparcialidade.  


Os que se fixam no item do poder enfatizam as condições para seu exercício e, habitualmente, sugerem medidas que aumentem as  condições  de  uma arbitragem  imparcial,  ou  seja,  as  capacidades  da  arbitragem.  Assim  como  é impossível colocar 1000 litros de água em um tanque com capacidade para 500, é impossível – no sentido de não se poder – o exercício da capacidade de marcar com imparcialidade  um  impedimento,  principalmente  em  termo  de  posições  dos jogadores  em  movimento,  distância,  tempo  e  velocidade  da  bola  no  seu  efeito conjunto sobre a condição de “ver”. O aumento no número de juízes colaboradores, a  possibilidade  de  o  juiz  observar  a  gravação  de  um  lance,  a  introdução  de sensores,  entre  outros  recursos  possíveis,  formam  parte  do  arsenal  de  medidas propostas para aumentar as condições ou capacidades do poder de arbitrar.  


Geralmente, os promotores  de  novas  condições  do  poder  de  ver,  do empoderamento das capacidades do julgar, enfrentam  o contra-argumento de que  assim  o  futebol  deixaria  de  ser  aquilo  que  é  e  que  o  tornou  o  esporte  mais  praticado e visto no mundo. Poder-se-ia afirmar que  o poder do erro, perceptivo e  intelectual,  do  juiz,  agrega  emoção  e  incerteza  à  dinâmica  do  jogo  de  futebol. 


Infelizmente, há pessoas que são “contra a tecnologia no futebol”  alegando que “o que move o futebol é o erro do  árbitro”, referindo-se a certo lance que ocorreu em um campeonato esportivo.  Nessa  discussão,  muitas  vezes  fala-se que  “nem  o  juiz  nem  o  bandeirinha viram que a bola entrou”. E, nesse “não  ver”, o jogo muda de rumo, se  transforma  em  outro  jogo  que,  por  vezes,  significa  um  recomeço,  pois  abre  as  portas  para  novas  alternativas.  Muitas  vezes,  os  atletas  que  pensam  que  a  bola entrou usarão o corpo e as palavras para manifestar  sua raiva, seu desespero e sua indignação. Naquele momento, verão o evento que favoreceria ao seu time. Farão isso ainda que mais tarde possam reconhecer a dificuldade real em “ver” se a bola entrou ou não. A dificuldade pode ainda ser grande mesmo no replay da jogada, que  é  passado  e  repassado  levando  a  discussões  infindas.  Contudo,  se interpretarmos  a  expressão  citada acima no sentido estrito,  teremos  que reconhecer que o erro participa ativamente da dinâmica e da emoção do futebol. 


Mas, então, quais as razões para insistir sobre a imparcialidade do juiz?  


A tecnologia nem sempre faz o “ver” claro e distinto: os resultados do PSA, por  exemplo,  dependem,  para  determinar  o  estado  da próstata,  de  outros indicadores. A mamografia tem um significativo número de falsos positivos e falsos negativos. Alguém sabe como calcular o índice de erro do teste do bafômetro que rende, tudo indica, recursos significativos para o DETRAN e ocupa bons cidadãos enquanto outros pagam as multas?  


O imaginário de uma tecnologia exata e imparcial deveria ser posto entre aspas. Mais ainda, a suposta imparcialidade da tecnologia poderia ser vista apenas como uma convenção, que reduz a incerteza e fecha o debate. Um exemplo notório é o desafio do tênis, onde todos sabem da bola declarada dentro ou fora por meio de milímetros que, possivelmente, sejam parte da margem de erro da tecnologia da imagem.  Os  tenistas  aceitam  a  convenção,  embora  o  gestual,  frequentemente, indique  que  não  acreditam  no  resultado  tecnológico do  desafio.  A convenção permite que o jogo continue mesmo quando a tecnologia erre aleatoriamente, ao invés de errar intencionalmente.  


A imparcialidade, em outros momentos, remete ao caráter moral ou ético do ser imparcial deixando de lado o erro na arbitragem provocado pelo “ver ou não ver”. Um juiz movido por interesses ou emoções inclinaria a balança da justiça em favor de um ou outro time. Não raro, dirigentes, técnicos, jogadores e torcedores atribuem um resultado desfavorável a marcações parciais e contrárias realizadas pelo  juiz:  “aquela  falta  não  era  para  expulsão,  nem   para  cartão  amarelo”.  Os oponentes podem inverter a fórmula e dizer que o ti me adversário ganhou porque o  juiz  jogou  a  seu  favor,  “marcando  um  pênalti  que  não  existiu”.  Ou seja,  a  imparcialidade  resulta  de  uma  atitude  cujas  raízes são  exploradas  desde  os torcedores aos jornalistas. Passa-se, nesses casos,  a suspeitar da honestidade do juiz,  e  o  insulto  de  “juiz  ladrão”  ou  “juiz  vendido ”  agita  o  mundo  centrado  nas quatro linhas. O juiz se torna um criminoso.  


Entretanto,  um  juiz  pode  não  se  ter  vendido  e,  contudo,  ter  sido influenciado.




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