Crônica de uma Mulher sobre o Futebol “Várzea"


“Tenho um namorado que ama a bola. É uma pessoa cheia de virtudes, mas, se há uma constância em seu caráter, esta é a impontualidade. Não consegue chegar na hora, o mundo o atrapalha, a menos é claro no caso do futebol.
Não falo aqui daquele jogo no estádio com hora oficial para começar, refiro-me à várzea,  o futebol amador, àquele bate-bola entre amigos, que no caso aqui de casa acontece todos os finais de semana.
O campo é longe, uma viagem, o sol a pino - não importa. Dia do compromisso logo cedo o moço fica ansioso, não pode atrasar e não há imprevisto que o segure. Nesses dias meu amor é um britânico!
Sábado desses resolvi acompanhá-lo. Os companheiros de partida, esbeltos desportistas, não gostaram nadinha, mas, gentis, fizeram que sim. Na minha cabeça beira de campo não é lugar de mulher, então para compensar o mal-estar, começa o jogo e eu bato muita palma, exagero o entusiasmo, assovio e tanto faço que o dono do campo a quem eu bajulava escancaradamente sentiu-se na obrigação de me dedicar um gol.


Segue o embate com altos e baixos, a coisa aquece e pimba... um golaço, aquele chutão do meio do campo para dentro da rede ala Roberto Carlos. As más-línguas desmerecendo o meu Boy-artilheiro dizem que o momento é histórico e não se repetirá - não acredito, foi jogada de mestre; vi e guardarei na memória.
Continua a partida com bons momentos, outros nem tanto, uma contusão aqui, uma falta ali, um corpo caído no chão. De repente me bate uma estranheza e vou percebendo que acima da bola, das jogadas, do corre para lá e para cá, o que mais se via, na verdade, eram discussões, ofensas, xingamentos e uma roubalheira naquele juiz, de fazer corar um palmito. A coisa chegou a um ponto em que tive a certeza de que terminado aquilo os adversários não voltariam a se falar.
Acaba o jogo. Entre vitórias e desilusões, corre-se para o vestiário e devo dizer que nem na feira fala-se tão alto e ao mesmo tempo quanto num banheiro cheio de homens; eu não estava dentro, mas nem precisava... Fiquei quietinha do lado de fora esperando meu namorado, que, pela delonga, tomava um banho de Cleópatra. Assim, pude observar bem os outros rapazes que sorridentes e limpinhos iam saindo do vestiário qual amigos de infância.
Aqueles mesmos que há pouco se juravam de morte agora pavoneavam-se uns para os outros aos tapinhas nas costas, até mesmo o juiz ladrão. Havia ali motorista de ônibus, um sapateiro, o cara do açougue, um empresário da música, policiais, um jogador aposentado, dois médicos e alguns moços das redondezas empobrecidas cuja competência em campo desequilibrara o jogo - tudo adversário de sangue na hora da bola e amigo do peito na saída para o chope.
Na pelada não há rancores, o que se passa em campo fica no campo. Nem pudores, ali são todos craques - o vírus da imodéstia ataca democraticamente. Uma beleza!
Fui-me embora com um vazio a futucar o espírito. O que nós, mulheres, temos de parecido, o shopping, o salão? Nem chegam perto. Não pode xingar, espernear, soltar os sapos da garganta - além do que, num e noutro, o máximo de exercício que se faz é com a língua na futrica da vida alheia - muito chato.
Não havia como negar, o brinquedo dos rapazes é divertido como só, e meu vazio  era de inveja. Nós, mulheres, não temos nada que se compare.” 
(Ass) Uma nova admirada da Várzea!

De: Alexandre Marques

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